Se você circula por Belo Horizonte e tem olhos atentos, certamente viu uma das 230 placas que a artista e professora Isabela Prado espalhou, entre 2018 e 2021, em esquinas dentro do perímetro da (avenida) Contorno, indicando a presença de córregos canalizados que subterraneamente percorrem suas ruas (Leitão, Serra, Acaba-Mundo, Mendonça, Zoológico, Barro Preto e Afluente Serra, todos integrantes da Bacia do Ribeirão Arrudas), pelo projeto Sobre o rio. Pois o livro de mesmo nome (“Sobre o rio”), que ela acaba de lançar, trata desse trabalho e compõe a trajetória dela, que, há dezesseis anos, desenvolve diferentes projetos artísticos sobre a presença hidrográfica na capital mineira.
Resgatar o invisível, mergulhar numa memória apagada da cidade e caminhar sobre as águas. Por mais surpreendente que seja, o mundo ainda não acabou, diz o release da obra. Mas quem transita por Belo Horizonte, passando pelo movimentado cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Avenida Brasil, poderá precisar o local onde ele acaba.
O “Acaba-Mundo” é um córrego que cruzava o arraial do Curral del Rei, lugar para onde, em 1897, transferiu-se a capital de Minas Gerais. Onde antes corria água, hoje passam ensandecidos ônibus, carros e motoboys, já que o ribeirão virou asfalto e corre no subterrâneo, louco para transbordar nos tempos de chuva e reclamar da violência a que foi submetido pelo homem. O que restou visível dele foi só a placa, que fica na esquina citada acima (da Afonso Pena com a Brasil).
“’Sobre o rio’ tem um caráter público, pois é executado nas ruas. Dá visibilidade a algo que está invisível e reinsere os córregos como elemento da paisagem da cidade. A partir do momento em que a presença dos córregos é identificada, relembrada, por meio das placas de sinalização, sua existência passa a ser algo natural, reconhecida pelos cidadãos que transitam em Belo Horizonte. O trabalho promove, assim, uma nova relação entre a cidade e seus habitantes, engajando toda a sociedade no (re)conhecimento deste corpo d’água que habita a cidade“, escreveu Isabela.
O LIVRO
Com o apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte e de 360 apoiadores de uma campanha de financiamento coletivo realizada no final de 2021, a publicação apresenta os processos de criação, reflexão e diferentes registros da obra “Sobre o rio”, e reúne contribuições de diversos autores. No livro, a arte contemporânea tem o papel de provocar uma reflexão acerca da cidade, em diálogo com outras áreas, como o meio ambiente, o patrimônio, e o urbanismo.
A edição bilíngue (português e inglês) traz textos inéditos de Michele Arroyo, Alessandro Borsagli, Josué Mattos, Roberto Luís Monte-Mór e Guilherme Wisnik, além de uma entrevista realizada pelos curadores Clarissa Diniz e Josué Mattos com a autora.
A publicação e a intervneção (das 230 placas) desaguam numa pesquisa mais ampla chamada Entre rios e ruas, cuja proposta é nos convidar a refletir criticamente, a partir de um olhar sensível, para a dinâmica hídrica e hidrográfica na cidade. A produção da autora aponta para os desdobramentos afetivos e históricos das relações estabelecidas entre ambiente e habitantes do espaço urbano.
Confesso que já não ando mais por BH do mesmo jeito, desde que li o livro.
SERVIÇO: Para compras acesse os perfis @entrerioseruas ou @isabelaprado.art, no Instagram.
NATALIA DORNELLAS (TEXTO) / FOTOS: STUDIO TERTULIA/DIVULGAÇÃO