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Ulisses Morato seleciona símbolos de arquitetura e urbanismo de Belo Horizonte que já não existem mais

Por ULISSES MORATO*

Sem catástrofes naturais, sem guerras, Belo Horizonte nasceu e cresceu sob a égide da reconstrução. A cidade, que surgiu da nova ordem política republicana no Brasil, usou a arquitetura e o urbanismo para se opor ao seu passado colonial varrendo do mapa o antigo Arraial do Curral del Rei. Contudo, o seu pecado original não se desfez. Ao longo do tempo, a cidade fez da autofagia arquitetônica um continuum, promovendo a demolição ou remodelação de belos edifícios considerados ultrapassados para dar lugar aos novos.

Confira a seguir 4 “assassinatos arquitetônicos” e 1 urbano!

🖤Afonso Pena Arborizada – Na década de 1960, Belo Horizonte assistiu ao corte de árvores até então mais polêmico de sua história. Na madrugada de 20 de novembro de 1963, cerca de 350 fícus foram cortados da Avenida Afonso Pena, na Região Centro-Sul.

Foto: Postais Delcamp. Anos 1950

Oficialmente, a derrubada do corredor verde era justificada pela proliferação dos insetos Gynaikothrips ficorum, os tripes, batizados popularmente como ‘amintinhas’, numa referência ao então prefeito de BH, Amintas de Barros (1959 a 1963).

Outra versão, no entanto, aponta que a eliminação das árvores seria, na verdade, para alargar a Afonso Pena e dar lugar aos automóveis que chegavam às ruas, com o crescimento vertiginoso da capital, que passava de 350 mil habitantes na década de 1950 para 700 mil 10 anos depois. (Estado de Minas, 2011)


🖤 Cine Pathé (1920) – Obra projetada pelo arquiteto Octaviano Lapertosa (1889-1944) | Av. Afonso Pena, 749 | Descaracterizado.

Foto: Arquivo Público Mineiro (colorizada)

O jornal “Minas Gerais” de 7 de fevereiro de 1920, anunciou: “Inaugura-se hoje esta nova e confortável casa de diversões, instalada em prédio especialmente construído para este fim, à avenida Afonso Pena, e de propriedade do Sr. Adriano dos Santos. O prédio, que é de propriedade do Sr. Alcides Lobo, foi construído pelo Srs. Silvério Silva e Cia., sob a direção técnica do Sr. Ângelo Marcelo de Paoli, e está dividido em dois andares, sendo o segundo ocupado pelo clube Matakins. O novo edifício foi projetado pelo Sr. Octaviano Lapertosa.”

O italiano Octaviano Lapertosa fez parte das primeiras levas de imigrantes europeus que se transferiram para Belo Horizonte – na virada do século XIX para o século XX – para fornecer serviços profissionais necessários à construção da nova capital e, como tal, tornou-se um dos seus arquitetos pioneiros.


🖤Edifício dos Correios (1906) – Obra projetada pelo arquiteto Francisco Izidro Monteiro (1860-1918) | Av. Afonso Pena, entre as ruas Tamoios e Bahia | Demolido.

Foto: Postais Delcampe. SD.

A “Folha de Minas”, em sua edição de 24 de fevereiro de 1940, assim noticiou a demolição do suntuoso edifício dos Correios:

“O nascimento, a gloria e o fim de um palácio em Belo Horizonte.

As obras de demolição do velho edifício dos correios estão sendo designados por um homem que ajudou a construir o prédio ilustre – o Sr. Biagio Polizzi relembra o orgulho com que os mineiros de 1906 assistiram a inauguração do palácio que agora está sendo reduzido a escombros. […] Um edifício torna-se “démodé” em Belo Horizonte em tão curto espaço de tempo que cabe dentro da vida de um homem. Depoimento de Biagio Polizzi (um dos mais competentes mestres de obra) construtor do prédio: “Gastamos dois anos na construção deste edifício. Foi começado em abril de 1904 e terminado em setembro de 1906, por ocasião da posse do presidente João Pinheiro. E vamos gastar pouco mais de três meses na sua demolição […].


🖤 Estação dos Bondes (1909) – Arquitetura de Francisco Izidro Monteiro (1860-1918) em Cartão-Postal | Av. Afonso Pena, esquina com R. da Bahia | Imóvel demolido em 1947.

FOTO: Lembranças do Brasil – As Capitais Brasileiras nos Cartões-Postais. Editora Solaris. 2005.

O famoso Bar do Ponto, local de encontro dos intelectuais da cidade e que ficava na esquina oposta a esse movimentado ponto de embarque e desembarque de passageiros, nomeou seu estabelecimento em referência a essa bela estação de bondes.

O arquiteto Izidro Monteiro (1860-1918) foi uma criança pobre do Rio de Janeiro que foi acolhida pelo Asilo de Menores Desvalidos, onde se destacou nos estudos. Posteriormente, foi aluno exemplar na ENBA-RJ, teve projeto premiado no concurso de remodelação da Avenida Central do RJ, e em BH foi membro da Comissão Construtora da Nova Capital.


🖤 Teatro Municipal (1906) – Obra projetada pelo arquiteto Edgard Nascentes Coelho (1853-1917) Rua Goiás, esquina com Bahia | Demolido.

Foto: Arquivo Público Mineiro

Em agosto de 1939, a “Revista Alterosa” n. 1 anunciou a “morte” do belíssimo teatro:

“O Velho Casarão da Rua Goiás.

Falleceu há pouco, na Capital, depois de longo e tenaz padecimento através da nossa imprensa, o surrado e ‘velho casarão da Rua Goiás.’ Com efeito, Belo Horizonte dispunha apenas daquela saudosa casa, mas os dirigentes do Estado e do Município se resolveram a assinar sem apelo a certidão de óbito do infeliz.”

O Teatro Municipal, inaugurado em 1908, foi amplamente reformado na gestão do prefeito Juscelino Kubitschek para abrigar o Cine Metrópole em 1942, que por sua vez foi demolido no início dos anos 1980 através de um ato do então governador Tancredo Neves.

Natural de Belo Horizonte, Ulisses é doutor em Arquitetura pela Universidade de Lisboa (2021), especialista em Construção Civil pela UFMG (2008), e bacharel em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix (1992).

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